DIA INTERNACIONAL CONTRA A HOMOFOBIA: DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIAS CONTRA PESSOAS LGBTQIAPN+ SOBEM 21% EM MINAS

Dossiê aponta o Estado como o 4º que mais matou população LGBTQIAPN+ no país, em números absolutos

"Eu nunca imaginei passar por isso, porque eu respeito todo mundo. Dou respeito para ser respeitado

"Eu nunca imaginei passar por isso, porque eu respeito todo mundo. Dou respeito para ser respeitado", lamenta o pesquisador Pedro Henrique Vilar

Na última terça-feira (14 de maio), três dias antes do Dia Internacional Contra a Homofobia, celebrado nesta sexta-feira (17 de maio), o pesquisador Pedro Henrique Vilar, de 30 anos, sofreu, pela primeira vez na vida, um caso de preconceito. Carioca, casado há 10 anos com um mineiro, foi em Belo Horizonte que ele foi chamado de "bichinha" por uma servidora pública em uma discussão no trânsito por conta de vaga de estacionamento. Já *Antônio, que terá o verdadeiro nome preservado a pedido da vítima, completou o terceiro episódio de LGBTQIAPN+fobia apenas dentro do trabalho em dezembro de 2023, quando retornava da lua de mel. Essas são apenas duas histórias em uma estatística que aponta Minas Gerais com um aumento de 21% nas denúncias de crimes contra essa população entre 2022 e 2023.

Segundo os dados do Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em 2023 foram registrados 562 casos destes crimes, enquanto no ano anterior foram 464. Destes quase 600 registros policiais, a principal ocorrência é justamente a injúria (crime que vitimou Pedro e Antônio) com 239 boletins registrados.

A data do Dia Internacional contra a LGBTQIAPN+fobia é 17 de maio porque foi nesse dia, em 1990, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças. Atos de homofobia e transfobia, entretanto, só foram considerados crime no Brasil em 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalizasse tais atos.

"Eu sou do Rio, já morei em Porto Alegre e vivo em BH. Infelizmente a primeira vez que fui vítima de homofobia aconteceu aqui. E é uma pena, pois eu amo Belo Horizonte, os mineiros. Sempre fui muito bem tratado pelo povo daqui e, por isso, talvez, eu fiquei tão assustado com isso tudo. Foi uma situação muito constrangedora. Eu nunca imaginei passar por isso, porque eu respeito todo mundo. Dou respeito para ser respeitado", lamenta Pedro. Ele procurou a Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), que investiga o caso.

Para Carlos Magno, diretor de formação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), o aumento, ano após ano, nos registros de crimes contra a população LGBTQIAPN+ é consequência do que ele chamou de "ausência de políticas públicas" para combater a homofobia no Estado.

"Minas é um Estado onde temos poucas ações para mitigar esse problema, não temos uma política pública consolidada. O Estado não tem campanhas permanentes, ações na educação. A gente não tem nenhum tipo de ação para tentar mudar esse quadro. O aumento é resultado de uma omissão do Estado em considerar esse problema da violência, que é um problema estrutural", pontua o ativista.

Quarto Estado que mais matou LGBTs

Outro dado preocupante para Minas foi divulgado nesta semana pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, que todos os anos prepara um dossiê sobre estes crimes. O Estado aparece no quarto lugar entre os que mais mataram essa população em 2023, em números absolutos, com um total de 19 mortes. Minas só ficou atrás de São Paulo (27), Ceará (24) e Rio de Janeiro (24). Com base nos levantamentos já feitos, a entidade aponta que, entre 2000 e 2023, pelo menos 5.865 pessoas morreram no Brasil "predominantemente em função do preconceito e da intolerância de parte da população".

Entretanto, o estudo alerta para a possível subnotificação dos casos. "Há, provavelmente, uma significativa subnotificação do número de mortes violentas de LGBTI+ no Brasil. Além disso, o registro dos casos nas notícias frequentemente não contém dados considerados relevantes para a formulação de políticas públicas pelas esferas governamentais (municipal, estadual/distrital e federal), como raça e etnia, período do dia em que crime ocorreu, perfil dos suspeitos, entre outros", pondera o dossiê.

Maicon Chaves, presidente do Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero de Minas Gerais (Cellos-MG), afirma que além dos dados, o relatório mostra a incapacidade do Estado em proteger pessoas LGBTs. "É mais uma vez o movimento social buscando garantir cidadania das pessoas LGBTQIA+, produzindo um instrumento para direcionamento de política pública. Mas, é bom constatar que isso é obrigação do poder público", explica.

Problemas vão além da violência física

Ainda de acordo com Carlos Magno, da ABGLT, os dados de mortes e outras violências contra estas pessoas são apenas a "ponta do iceberg". A LGBTQIAPN+fobia não se manifesta apenas nos assassinatos, mas é um tipo de violência psicológica e simbólica, que está no tratamento diferenciado, segundo apontado por pesquisadores no dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil.

"Inúmeras formas de violência permanecem reiteradamente no cotidiano de pessoas LGBTI+, como bullying escolar, expulsão da vivência familiar e comunitária, dificuldade de inserção no mercado de trabalho, entre inúmeras outras. Em seu último grau a fatalidade é manifestada por meio de crimes motivados por LGBTIfobia, versados no conceito de Violência Letal, realidade alarmante no Brasil, já exposta e evidenciada nos Dossiês anteriores, e ainda negligenciada pela massiva maioria dos órgãos governamentais", completa o documento.

O descaso, em alguns casos, é também de empresas privadas, que ignoram ataques e violências homofóbicas, conforme relatos de vítimas. É o que aconteceu com Antônio*, que, sofrendo com comentários de colegas desde 2019, viu a empresa onde ainda trabalha determinar que ele deixasse de almoçar no refeitório e, em dezembro de 2023, acabou transferindo-o para outra unidade. Por conta dos comentários preconceituosos, alguns deles feitos diante de dezenas de colegas, hoje ele sofre com ansiedade, depressão e síndromes do pânico, além de já ter passado por tratamento com medicamentos.

"Tomo remédio controlado para vir trabalhar. Eu não quero vir mais para cá, não tenho vontade nenhuma, a minha pressão fica alta por causa disso. Se a empresa tivesse me dado suporte, tivesse feito alguma coisa desde 2019, nada disso teria me afetado, seria diferente. Mas o que eles pensaram foi: "Vamos transferi-lo, que aí não acontece isso mais". Ao invés de a empresa puni-los, me puniram e deixaram eles lá", denuncia. O caso dele foi denunciado e está sendo tratado na Justiça.

Importância das ações

Conforme Ettore Medeiros, profissional de educação corporativa e universitária, as mudanças na esfera do Direito foram um passo importante para a população LGBTQIAPN+. No entanto, isso não é o suficiente, já que os crimes continuam a acontecer. Para ele, é preciso que existam ações efetivas em todas as esferas sociais.

"Por vezes, os casos nem chegam ao Direito formal. Muitas pessoas têm medo de se expor. Além disso, há um longo caminho para que os espaços de denúncia ofereçam o atendimento adequado. As pessoas precisam reviver a violência ao contarem o que elas sofreram", diz ele.

Segundo Medeiros, é necessário que se invista em educação, mas não somente a dita formal, nas escolas e universidades. "A educação acontece nas famílias, nas instituições religiosas, na esfera política, entre outros", afirma ele.

O profissional lembra que as empresas também precisam entrar nessa luta, com vagas afirmativas, treinamentos e outras estratégias. "É preciso desenvolver políticas para a inclusão de pessoas. São necessárias muitas ações conjuntas. Um direito conquistado não é garantia de que vai ser preservado e aplicado em todos os casos", conclui.

Posicionamento

Em nota, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese-MG), por meio da Subsecretaria de Direitos Humanos, informou que várias ações são feitas para combater a LGBTfobia. Leia a nota completa.

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese-MG), por meio da Subsecretaria de Direitos Humanos, informa que, ao longo dos últimos anos, diversas ações, programas e serviços foram elaborados e disponibilizados para prevenir e combater a LGBTfobia. Entre eles, estão:

  • Relançamento da Campanha de Respeito à Diversidade em canais abertos, cinemas, Unidades de Atendimento Integrado (UAI) e sites governamentais. A Campanha tem o objetivo de reduzir os índices de violência contra a população LGBTQIA+ pela conscientização e respeito à diversidade. O movimento também busca combater toda forma de tratamento discriminatório que existe em pessoas e instituições, combatendo o preconceito estrutural e incentivando a denúncia pelos Canais Disque 100 e 190.
  • Instituição da Comissão Estadual de Políticas de Enfrentamento às Violações Relativas à Orientação Sexual e à Identidade de Gênero das Pessoas LGBTQIA+ (CEPEV – LGBTQIA+). A comissão completa um ano no dia 17/5, Dia Internacional contra a LGBTfobia, e é resultado da articulação e do compromisso do Governo de Minas com a igualdade de direitos e a justiça social. Ela funciona como um espaço para a defesa e proteção da população LGBTQIA+, dando visibilidade e atuando na construção de políticas públicas.
  • Parceria com a Secretaria de Estado de Saúde para a elaboração do Plano Operativo da Política Estadual de Saúde da População LGBT (2024-2026), integrando o Comitê de Saúde Integral LGBT.
  • Em parceria com Segurança Pública, destaca-se a inclusão do Segmento LGBTQIA+ nos REDS (B.O.) e respectivas terminologias. O mesmo se aplica para a Base Integrada de Segurança Pública (BISP - PAINEL LGBTQIA+). Também foi feita a Campanha de Erradicação da Subnotificação dos dados de crimes de violação dos direitos da população LGBTQIA+. Além disso, foi criada e ampliada a Delegacia Virtual de Polícia Civil especializada no atendimento desse público.

Vale ressaltar, ainda, que o Plano de Enfrentamento à Transfobia no Sistema Socioeducativo está em fase de avaliação pelo Conselho Estadual de Defesa da Criança e Adolescente. Campanhas internas de conscientização também foram promovidas na Cidade Administrativa. Por fim, a Sedese participou do desenvolvimento do Curso de Formação em Direitos das Pessoas LGBT e Identidade de Gênero e do Curso de Formação "População LGBT: Direitos e Garantias", com vagas para policiais civis de Minas.

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