ENTENDA O ACORDO QUE GERA TENSÃO ENTRE A EUROPA E O AGRO BRASILEIRO
O que existe em comum entre a decisão do Carrefour de vetar carne do Mercosul em suas lojas na França e os protestos de agricultores daquele país durante a reunião do G-20, que acontecia no Rio? A resposta é um acordo comercial entre a União Europeia e o bloco sul-americano.
Ele não é uma novidade: foi assinado em 2019, mas até agora não saiu do papel porque falta consenso. Ao longo dos anos, França e outros países da UE se posicionaram contra ou fizeram restrições parciais aos termos.
No último domingo (17), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse à GloboNews, que o bloco tem trabalhado intensamente no acordo: "Como sabemos, o diabo está nos detalhes, e a reta final é a mais importante, mas, normalmente, a mais difícil". Ela veio ao Brasil para o G-20, assim como vários líderes mundiais.
Enquanto o encontro acontecia no Rio, agricultores protestavam em cidades francesas para demonstrar insatisfação com o acordo UE-Mercosul e com o governo do seu país. Eles jogaram estrume nas ruas, esvaziaram tanques de vinho e bloquearam estradas.
No terceiro dia de manifestações, o CEO do Carrefour anunciou o veto à carne do Mercosul, em uma carta dirigida aos produtores rurais franceses.
Alexandre Bompard não deixou claro qual é a extensão da medida. Posteriormente, a rede de supermercados explicou que a restrição valerá somente para lojas da França — que, no entanto, praticamente não vendem carne que não seja daquele país.
Ainda assim, as principais associações do agro brasileiro mantiveram as críticas: "Se [a carne do Mercosul] não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país", disseram, em nota.
?? Foi o segundo episódio em menos de 1 mês em que executivos de empresas com sede na França falaram sobre restrições que envolvem o agro brasileiro, um dos maiores exportadores do mundo.
Em outubro, o diretor financeiro global da Danone afirmou à Reuters que a gigante de laticínios não comprava mais soja do Brasil. Dias depois, a empresa disse que a informação "não procedia", mas não explicou a fala.
Neste caso, a motivação seria uma lei da União Europeia contra produtos que venham de áreas de desmatamento. Ela entraria em vigor no fim de dezembro, mas acabou de ser adiada em 1 ano.
A questão ambiental também é usada pelos europeus em argumentos contra o acordo UE-Mercosul .
?? Afinal, por que agricultores franceses (e de outros países europeus) são contra esse acordo? Que benefícios ele traria para o Brasil? As leis europeias são mesmo mais rigorosas do que as brasileiras? O g1 ouviu economistas e representantes do setor que fazem parte das negociações do acordo. Eles destacam os seguintes pontos:
- Os agricultores e pecuaristas europeus temem perder espaço com a livre comercialização dos alimentos do Mercosul no bloco, principalmente os brasileiros. Isso porque a mercadoria do Brasil passaria a ser mais competitiva em preços, devido à alta produtividade do país e ao aumento do custo de produção na Europa por causa das guerras.
- O Brasil , por sua vez, seria o principal beneficiado pelo acordo, com uma estimativa de aumento de 0,46% no PIB, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
- Não é verdade, no entanto, que as leis ambientais sejam menos rigorosas para a agricultura no Brasil do que para a europeia, como alegam produtores contrários ao acordo. O Brasil é um dos poucos países com um Código Florestal que exige que as lavouras tenham uma área extensa de reserva. Mas ainda tem que lidar com altas taxas de desmatamento ilegal.
Entenda melhor esses pontos abaixo.
O que é o acordo entre Mercosul e União Europeia?
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia tem o objetivo de reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos. Ele não vale apenas para produtos agrícolas, mas este setor tem protagonizado boa parte dos embates.
A negociação começou em 1999 e o termo foi assinado em 2019. Desde então, o texto tem passado por revisões e exigências adicionais, principalmente por parte da União Europeia, devido à pressão imposta pelos por agricultores dos países-membro.
Para ser colocado em prática, o documento precisa ser ratificado pelos parlamentos dos 31 países envolvidos.
O ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, disse ao Valor Econômico que a expectativa do governo federal é de que o acordo seja anunciado na reunião da cúpula do Mercosul, no próximo dia 6 de dezembro. A fala foi na última segunda-feira (18), também durante o G20.
Alguns dos pontos do projeto relativos ao agronegócio são:
- a UE vai isentar de tarifas 82% das importações agrícolas do Mercosul;
- produtos agrícolas brasileiros, como suco de laranja, frutas, café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais terão tarifas eliminadas;
- exportadores brasileiros também terão preferência na venda de carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz, ovos e mel;
- o acordo possui um mecanismo de salvaguarda que vai permitir a implementação de medidas temporárias caso haja um aumento inesperado e significante de importações que possa causar prejuízos às empresas e produtores agrícolas domésticos;
- alguns produtos ficarão sujeitos a um valor estabelecido por cotas, entre eles a carne bovina, a de aves, a de porco, o arroz e o mel;
- Mercosul e UE se comprometem a reduzir entraves de medidas sanitárias e fitossanitárias;
- UE e Mercosul se comprometem a implementar efetivamente o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, que inclui, entre outros assuntos, combate ao desmatamento e redução da emissão de gases do efeito estufa;
- segundo a UE, não haverá mudanças nos padrões de segurança alimentar e saúde animal do continente – ou seja, o bloco continuará podendo barrar a entrada de produtos que não se enquadrem aos requisitos locais.